Enquanto a maioria discute a insolvência de uma instituição específica, o desfecho traz à tona uma discussão muito mais profunda e perigosa: como os produtos de investimento chegam até a sua carteira.
Enquanto muitos correm desesperados para baixar o aplicativo do FGC (Fundo Garantidor de Créditos) na tentativa de recuperar o patrimônio travado, existem pessoas que não estão nem um pouco preocupadas. Pelo contrário: eles já ganharam o dinheiro deles. E ganharam muito.
Se você tinha CDBs do Master na carteira, vale a pena perguntar: por que este produto foi recomendado? Era puramente pelo retorno atrativo ou havia algo mais na mesa?
A resposta passa pelo conceito de Rebate, pela matemática cruel da iliquidez e por um risco sistêmico que lembra muito a crise de 2008 nos EUA.
O Segredo do Rebate: O Incentivo Perverso
Para entender o caso Master, precisamos diferenciar dois conceitos que muitas vezes se confundem na cabeça do investidor:
- Rentabilidade do Investidor: É o quanto você ganha (ex: 120% do CDI, IPCA + 9%).
- Comissionamento (Rebate): É a remuneração que a corretora ou o escritório de assessoria recebe do banco emissor por ter “vendido” aquele papel para você.
Fontes do mercado indicam que o Banco Master e as suas subsidiárias chegaram a pagar comissões agressivas, que em alguns casos batiam os 5% na cabeça (upfront) para grandes plataformas de investimento distribuírem os seus CDBs.
Vamos colocar isso em perspectiva: títulos de bancos sólidos (os grandes bancos de varejo ou instituições de primeira linha) costumam pagar comissões muito menores aos assessores, na casa de 0,1% a 1%.
Isso significa que, se o seu assessor convencesse você a colocar R$ 100.000,00 num CDB do Master de 5 anos, o escritório dele poderia embolsar até R$ 5.000,00 no dia seguinte. Se ele te recomendasse um título do Tesouro ou de um bancão seguro, ele ganharia R$ 100,00. Estamos falando de um incentivo financeiro 10 a 50 vezes maior para vender o banco arriscado em detrimento do banco seguro. É um desalinhamento de interesses brutal que cega o distribuidor para o risco do cliente.
O Viés do Assessor
É importante pontuar: isso não significa necessariamente que seu assessor agiu de má fé ou que ele é “mal-intencionado”. O ser humano, por natureza, responde a incentivos.
Muitas vezes, o profissional acaba se convencendo de que aquilo é realmente bom para o cliente. E a “desculpa perfeita” para isso é o FGC (Fundo Garantidor de Créditos).
O raciocínio subconsciente funciona assim: “O rebate é excelente para mim, a taxa é alta para o cliente e, se der errado, o FGC paga. Então, todo mundo ganha”.
Com esse argumento, o assessor elimina a barreira moral de vender um ativo problemático. Ele acredita genuinamente que está alinhando os interesses, quando, na verdade, está expondo o cliente ao estresse, à iliquidez e à burocracia de uma liquidação, tudo isso turbinado por um conflito de interesses na remuneração dele.
A Matemática da Perda: Por que o FGC não garante o seu lucro
A “desculpa perfeita” utilizada para vender esses ativos tóxicos é sempre a mesma: “Se der errado, o FGC paga. O risco é zero.”
Isso é uma mentira matemática.
O FGC garante o principal mais os juros até a data da liquidação. No entanto, existe um período morto entre a decretação da liquidação (hoje) e o efetivo pagamento, que historicamente leva entre 30 a 60 dias (podendo demorar mais dependendo da complexidade da folha de credores).
Durante esse tempo, o seu dinheiro fica parado. Rende zero.
Vamos fazer uma conta rápida de padaria:
- Imagine que você comprou um CDB a 120% do CDI para vencer em 2 anos.
- O banco quebra e o seu dinheiro fica “congelado” por 2 meses esperando o FGC.
- Esses 2 meses com rendimento zero diluem a rentabilidade média de todo o período.
- No final, a sua rentabilidade real (ajustada pelo tempo parado e pelo estresse) cai drasticamente, muitas vezes ficando abaixo do que renderia um título seguro de 100% do CDI em um grande banco.
O investidor assumiu risco de ruína para, na prática, ganhar menos do que o CDI. O FGC devolve o seu dinheiro, mas não devolve o tempo nem o custo de oportunidade perdido.
O Fantasma de 2008: Um Risco Sistêmico
O que aconteceu com o Banco Master não é um evento isolado; é um sintoma de uma doença no sistema financeiro brasileiro que guarda paralelos assustadores com a Crise do Subprime de 2008 nos EUA.
Em 2008, as agências de rating eram pagas pelos próprios bancos para classificar hipotecas “podres” como investimentos seguros (AAA). Havia um incentivo financeiro direto para ignorar o risco.
No Brasil de 2025, temos uma dinâmica similar na distribuição de crédito bancário:
- Bancos com dificuldades de captar dinheiro barato emitem títulos com taxas altas.
- Para garantir que esses títulos sejam vendidos, pagam comissões (rebates) exorbitantes aos assessores.
- O assessor, incentivado pelo bônus e protegido pelo argumento do “seguro FGC”, inunda as carteiras dos clientes de varejo com crédito de má qualidade.
Isso cria um Risco Moral (Moral Hazard) gigante. O sistema incentiva o crescimento de instituições problemáticas. O Banco Master inchou o seu balanço captando dinheiro de investidores desavisados, financiado por um exército de vendedores comissionados.
O resultado? Uma alocação de capital ineficiente que premia a má gestão e pune a prudência.
A Conta Chegou (e todos nós vamos pagar)
Engana-se quem pensa que apenas os credores do Master saem perdendo. A liquidação de uma instituição deste porte drena recursos bilionários do FGC.
Para recompor as reservas do fundo, o sistema bancário como um todo terá que aumentar as suas contribuições. Isso significa custos operacionais mais altos para todos os bancos, o que invariavelmente se traduz em taxas menores para os novos CDBs e crédito mais caro para quem precisa empreender.
O comportamento predatório de quem vendeu Master por comissão sujou a água para todo o mercado.
Independência como Imunidade
É aqui que a filosofia de investimento deixa de ser um conceito abstrato e vira proteção patrimonial prática.
Na Rio Claro, nós nunca alocamos recursos de clientes em ativos do Banco Master.
Por quê?
- Modelo Fee-Based (Zero Rebate): Como somos remunerados apenas pelo cliente (taxa fixa ou performance), não recebemos nem um centavo de comissão de bancos. Se o Master paga 5% ou 0% de comissão, para nós é indiferente. Isso nos permite analisar o balanço com frieza técnica, sem a “cenoura” do bônus ofuscando a nossa visão.
- Due Diligence Real: Analisamos os números. Vimos a alavancagem, as inconsistências e o risco desproporcional. Decidimos ficar de fora.
- FGC é Cinto de Segurança, não Estratégia: O seguro existe para o acidente imprevisível (o “cisne negro”). Investir num banco com problemas visíveis só porque “tem FGC” é como bater o carro de propósito só porque tem seguro.
Um sistema alinhado protege não só o investidor, mas a higidez de todo o mercado financeiro.
O Banco Master caiu. Mas o sistema que permitiu que ele crescesse inflando carteiras de investidores desavisados continua aí, firme e forte, pronto para te vender a próxima “oportunidade imperdível” com rebate alto.
Proteja-se. Busque aconselhamento independente que ganhe dinheiro com você, e não às suas custas.
Este artigo é de caráter informativo e opinativo.

